Desde que David Bowie nos deixou em 10 de janeiro de 2016, o mundo do entretenimento e das artes possui um buraco em seus corações. As contribuições artísticas do camaleão do rock são imensuráveis. Seja na música, com seu cancioneiro marcado por clássicos como “Space Oddity”, “The Man Who Sold The World”, “Rebel, Rebel” e “Let’s Dance”, só para citar alguns. Seja na moda, ao criar o figurino para seus alter ego nos palcos. Como os míticos Ziggy Stardust e o Thin White Duke por exemplo. Bowie sempre deixou bem claro que não haveria um filme sobre vida e obra. Vista a onda recente com “Bohemian Rhapsody: A História de Freddie Mercury (2018)”, “Rocketman (2019)” sobre sir Elton John e “Elvis (2022)” que conta a história e as lendas em torno do Rei do Rock. Seu filho mais velho, o cineasta Duncan Jones, respeita o desejo do pai.
Ele foi encarregado pela família para cuidar do assunto. Sendo o próximo que tivemos foi “Stardust” em 2020. Cinebiografia não-autorizada com Johnny Flynn como Bowie e Jena Malone é sua esposa Angie e mãe de Duncan. Relatando sua viagem aos Estados Unidos, para divulgar seu trabalho e ser mais conhecido na terra do tio Sam. Uma fase que realmente ocorreu e pouso se sabe a respeito. Comentamos no link: https://cyroay72.blogspot.com/2022/01/a-cinebiografia-nao-autorizada-de-david.html. Quando ainda estava entre nós, David não autorizou o uso de sua imagem e música em “Velvet Goldmine (1998)” de Todd Haynes. Este no começo de carreira, fez esta película em homenagem ao Glam Rock, gênero musical que Bowie se destacou. Para ser Bowie temos Jonathan Rhys Meyers, ele é Brian Slade. O mestre jedi Ewan McGregor como Curt Wild, um misto dos parceiros musicais de David, o iguana Iggy Pop e o enigmático Lou Reed.
Apesar de tudo, algumas referências foram utilizadas. Mais no link: https://cyroay72.blogspot.com/2018/10/velvet-goldmine-1998-uma-homenagem-ao.html. Em meio a isso, tivemos o documentário “David Bowie: The Last Five Years (2018)”, sobre o tempo em que David se isolou de tudo e de todos para ficar em seu apartamento na cidade de Nova York. Gravando e lançando em 2013, seu derradeiro álbum “The Next Day”. Poucos dias do seu lançamento, Bowie faleceu devido à um câncer no fígado. Voltando a trabalhar com o produtor Tony Visconti. Que hoje em dia, é o curador do legado musical de David. Músicos como os guitarristas Earl Slick e Carlos Alomar comentam sobre a persona de Bowie. E Tony, mais próximo, diz que ele estava muito empenhado em retomar a carreira, apesar da saúde frágil. Leia no link: https://cyroay72.blogspot.com/2018/01/o-documentario-david-bowie-last-five.html
Agora finalmente de forma oficial temos o documentário “David Bowie: Moonage Daydream (2022)”. Dirigido por Brett Morgen, que realizou o ótimo “Cobain: Montage of Heck (2015)”. Sobre o falecido líder do Nirvana Kurt Cobain em 1994 e autorizado pela filha Frances Bean Cobain a mexer nos arquivos pessoais do pai. Mais uma vez, agora com autorização da família de Bowie, Morgen traz um retrato sobre a vida e a obra do Alladin Sane. Ao contrário de outros documentários do gênero, Morgen traz o biografado narrando a própria história. Onde não segue a tradicional linha cronológica para conta-la.
Através
de entrevistas dadas na TV, no rádio e na mídia impressa, se tem a impressão
que estamos entrando dentro da cabeça de Bowie.
Ao citar Nietzche na abertura, onde Deus está morto e a humanidade em sua
soberba se autoproclama divina. Em meio a imagens da Lua e um astronauta dentro
de uma caverna. Ao ver mais de perto, ele está morto. Ao fundo ouve-se um mix
com canções de David, eis que surge o próprio ao som de “Hallo Spaceboy”, versão que traz o duo Pet Shop Boys. Somada a
imagens de antigos filmes scifi e o clássico “2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)”, explosões e do nosso estressante cotidiano.
Somos levados para o auge da carreira de Bowie ao lado dos Spiders From Mars e ele encarnando um dos seus celebres personagens Ziggy Stardust ao som do medley “Wild Eyed Boy From Free Cloud / All The Young Dudes / Oh You Pretty Things”. Daí temos uma das suas entrevistas, falando abertamente sobre seus pais. O pai já falecido e a mãe trabalhando em algo que desconhece. Questionado sobre a opinião dela pelo seu estilo de vida. Apenas responde que não são próximos, mas ela respeita suas escolhas. Já em outra diz que nunca comprou uma casa e nem pensa nisso. Pois não consegue ficar parado em um lugar só.
Precisa sair pelo mundo, conhecer pessoas e saber mais sobre o que está rolando por aí. Brett mistura apresentações ao vivo com a mitologia que gira em torno da persona de Bowie. Com o próprio falando a respeito, que diz sobre sua vontade de se tornar um musico. Na juventude se tornou um mod e assim iniciou no mundo do entretenimento. Cantor de musica folk e pop, que mais tarde chamaria atenção com a clássica “Space Oddity” e o surgimento do Major Tom. O primeiro de muitos personagens criados por ele em sua carreira. Ao mesmo tempo, foi com ele encerrou o ciclo com o disco póstumo “Blackstar (2016)” e a canção “Lazarus”. Representação do fim de sua jornada e encontrando o descanso merecido.
Bowie diz que sempre esteve à procura de algo. Que não conseguia ficar esperando as coisas acontecerem para vencer na vida. Corria atrás em busca de seus objetivos. Conhecemos mais detalhadamente sua mutação constante. Indo do mod para folk e mais tarde começando o glam rock ao lado do T-Rex de Marc Bolan e Iggy Pop com os Stooges. Um artista inquieto, antevendo o que seria impactante para a sociedade. O fascínio tinha o mesmo efeito que o desagrado das pessoas. Enquanto muitos enxergavam parcialmente o quão Bowie estava à frente do seu tempo. Junto a isso, aguçando o imaginário dos mesmos. Sua imagem encantava tanto homens e mulheres. E ele não via problemas nisso, já que poderia se relacionar com os dois. Brincando que no seu círculo de amizade, a grande maioria era do sexo masculino.
Falando abertamente sobre solidão e que não vê problema nisso. Isso o ajuda a compor e compreender melhor a si mesmo. Apesar de não gostar do próprio material, pois acha que não reflete sua personalidade. Forte e carismática, com certeza. Percebe-se que Bowie se contradiz ao longo do documentário, sua opinião vai mudando com o passar dos anos. Quando perguntado se foi ou está apaixonado. Ele responde que já esteve, mas que não pensa em se casar. Pois para ele ao colocar uma pessoa ao seu lado 24 horas, é preciso que ele compartilhe esse tempo. Não estava disposto a isso, por causa da sua arte. Compor um álbum e fazer shows quase que diariamente.
Simplesmente não era o momento. Isso mudou quando conheceu a modelo Iman e se casaram em 1992. Por isso David diminuiu o ritmo de trabalho e as turnês. Para ficar ao lado da esposa e ser o marido que não conseguiu ser com Angie e o pai para o filho Duncan, antes conhecido como Zowie Bowie. Quanto ao trabalho, Bowie relata o momento que viveu em Berlim no ano de 1976 e acompanhou a rotina das pessoas na capital alemã. Elas iam trabalhar, compram mantimentos no supermercado ou simplesmente andar pelas ruas da cidade. Um pequeno detalhe, ele não era notado. O rockstar David Bowie passava desapercebido entre elas, como num passeio ao museu local.
Por isso, ele se encanta e inicia sua conhecida Trilogia de Berlim, com os álbuns “Low (1977)”, “Heroes (1977)” e “Lodger (1979)”. Insatisfeito, ele quer usar novos instrumentos para musica-los. Para isso entrar em contato com Brian Eno, tecladista do Roxy Music e que mais tarde seria um dos grandes produtores dos anos 80 com “The Unforgettable Fire (1984)” e “The Joshua Tree (1987)”, ambos do U2. Eno traz uma sonoridade mais eletrônica e minimalista aliadas aos instrumentos orgânicos. O grupo alemão Kraftwerk é uma referência. Mais tarde, David resolve se impor um período sabático e foi morar no sudeste asiático (Cingapura) para conhecer mais a cultura local. Isso o influenciou profundamente.
Próximo dos fãs de lá, sentiu a necessidade de compor canções mais conectadas a eles e os que estão ao redor do globo. Assim temos o impactante “Let’s Dance” de 1983. Com uma turnê gigantesca, que só não passou em nossa terra brasilis. Ela se encerrou com shows na China e em Bangkok. Utilizando imagens dos vídeo clips mais marcantes da carreira de Bowie como “Ashes to Ashes”, “Heroes”, “Let’s Dance”, o filme em que atuou “O Homem Que Caiu na Terra (1976)”, cenas do curta “Ricochet (1984)” e com o que David produziu em casa com os chamados “filmes caseiros”. Brett não tenta traduzir Bowie para o espectador, até para o mais desatento, e nem mostrar sua visão sobre ele. E sim traçar um retrato de quem ele foi. Sempre em busca de algo novo. Seja para a pessoa David Robert Jones (seu nome verdadeiro), seja para o artista David Bowie.
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