O final dos anos 60 foi marcado pelo histórico festival de Woodstock em 1969, onde a contracultura se fez presente e abalou as estruturas da terra do tio Sam, bem como o globo terrestre. Um encontro de pessoas das mais diversas raças e credo convivendo em paz e harmonia. Ao mesmo tempo a pouco mais de 160 quilometros, ocorria no Harlem (Nova York), o Festival Cultural do Harlem (Harlem Cultural Festival), organizado por Tony Lawrence e o produtor de TV e cinegrafista Hal Tulchin. Voltado à cultura negra local, foi um dos maiores realizados na época e com mais de 40 horas gravadas.
Não houve interessados em sua transmissão e posteriormente financiamento para se produzir um documentário. Apesar de terem o apoio do prefeito da cidade na época, o republicano John Lindsey. Ele possuía boas relações com a comunidade negra. Assim todo material ficou gravado em um porão por mais de 50 anos. Até que Ahmir Khalib Thompson, mais conhecido como Questlove (o símbolo é ?uestlove), o DJ produtor musical e batera vocalista da banda The Roots. Que encontrou o material e resolveu edita-lo para trazer à tona este evento histórico.
Que praticamente foi esquecido, até mesmo por aqueles que o testemunharam. Como Musa Jackson, que estava lá quando era uma criança. Dizendo a Questlove que estava enlouquecendo por isso. Se foi um sonho, fruto da imaginação ou se aconteceu realmente. Agradecendo a ele por trazer de voltas as lembranças de um momento que foi tão feliz na sua vida quando jovem.
Naquela época chegou a ser chamado de “Woodstock Negro”, já que o foco era a comunidade negra local e uma celebração da cultura afro-americana em si. Já que participaram nomes como Stevie Wonder, The Chamber Brothers, B.B. King, Staple Singers, Mahalia Jackson, Gladys Knight and the Pips, Sly and the Family Stone e a icônica Nina Simone. Sem esquecer a participação do pastor Jesse Jackson. Vivo até hoje para deixar seu recado e sua memória ao participar do Harlem Cultural Festival.
Representando a música latina e sua comunidade no Harlem temos Mongo Santamaria e Ray Barretto. Aqui temos o relato da percussionista Sheila E, que tocou com o mito Prince na The Revolution nos anos 80 e na New Generation nos anos 90, como uma grande admiradora da técnica de Ray na percussão. Ele foi uma grande influência no seu estilo de tocar e como isso se faz presente até hoje.
Uma
das melhores histórias é com os membros remanescentes do grupo vocal The 5th Dimension, Billy Davis Jr. & Marilyn McCoo. Conhecidos
pelo hit “Aquarius / Let the Sunshine In”
do musical Hair. Impactados
pela canção, queriam fazer um medley com ela e “Let The Sunshine In”, sugestão feita ao compositor e produtor Bones
Howe. Que se tornou um grande sucesso e mostrou que o grupo não era formado por
brancos, como muitos pensavam. E sim por cantores e cantoras negras. Fora que
se tornaram grandes fãs do musical.
O momento mais marcante é quando Tony chama ao palco o pastor Jesse Jackson, que simplesmente se transformar em uma igreja. Com Jackson fervoroso discute sobre a importância do negro na sociedade. Ao mesmo tempo relembra o tempo que passou com Martin Luther King. Ele estava ao seu lado, quando foi assassinado. Conversando a respeito de música, King diz a Jackson para cantar e logo em seguida, leva o tiro que o matou.
Em um corte arrepiante, ouvimos e sentimos o tiro como se estivesse lá.
Com Jesse temos a The Operation Breadbasket Orquestras &
Choir ao lado da cantora Mahalia
Jackson. Visivelmente emocionada, pede a Mavis Staples assumir o microfone no seu lugar para cantar a gospel
“Precious Lord Take My Hand”.
Impossível não se emocionar com este momento único.
Em “Summer of Soul”, Questlove exibe bem a tensão racial vivida naqueles tempos. Por estarem no período do verão norte-americano, os ânimos estavam acirrados. Ainda mais com os assassinatos de John F. Kennedy em 1963, o ativista radical Malcolm X em 1965, Luther King e o irmão de JFK, Bobby Kennedy, em 1968. Fora os problemas locais como o crescente tráfico de drogas, a situação de pobreza, a perseguição de policiais racistas e o envio de negros para a Guerra do Vietnã. Onde ficou evidente, que iam mais negros do que brancos ao conflito.
Fora a crítica dos mesmos, quanto a viagem até Lua. Com o governo dos EUA gastando milhões na corrida espacial e sua população mais pobre passando fome. Neste caso, as comunidades carentes do Harlem. Fora que para fazer a segurança do festival foram chamados membros do partido politico Panteras Negras. Já que havia uma certa indisposição com a polícia local, que só enviou uma parte do seu efetivo para ficar de olho nos perímetros do Parque Mount Morris, hoje se chama Marcus Garvey. Com um trabalho primoroso na remasterização de som e para restauração das imagens, supervisionado por Questlove.
Faz com que “Summer of Soul” lembre que atos como estes mostram uma nação como os Estados Unidos precisam evoluir (ainda está neste caminho) para superar o preconceito racial. Aqui contra os negros e consequentemente os latinos, orientais e muçulmanos. Ainda precisam ser relembrados que todos nós unidos formamos uma nação de verdade. Divididos vemos nossas fraquezas e juntos podem fazer muito mais pelo nosso próximo.
Filme maravilhoso. Obrigatório..
ResponderExcluirCom certeza
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