Desde
do 6 de junho de 2020, o mundo do entretenimento e da música está mais vazio
com o falecimento do maestro Ennio
Morricone aos 81 anos. Responsável por trilhas sonoras musicais antológicas
como a trilogia western spaghetti de Sergio Leone, mundialmente conhecida como
“Trilogia do Homem Sem Nome”. Que
transformou o eterno cowboy Clint Eastwood na lenda do cinema que é nos dias de
hoje. Trabalhando com Leone em “Era
Uma Vez no Oeste (1968)” e “Era Uma
Vez na América (1984)”. O tema “The
Ectasy of Gold” é tocado na abertura dos shows do Metallica. Tendo seu
trabalho reconhecido em filmes como “A
Missão (1986)” de Rolland Joffé e “Os
Intocáveis (1987)” de Brian De Palma. Para logo em seguida ser aclamado
pelo emocionante tema musical composto para o elogiadíssimo “Cinema Paradiso
(1989)” de Guiseppe Tornatore.
Com quem firmou uma parceria no drama familiar “Estamos Todos Bem (1990)”, no thriller “Uma Simples Formalidade (1992)” e na comedia “Malena (2000)”, por exemplo. Sem deixar de mencionar que o “cool” Quentin Tarantino sempre teve a música de Morricone como referência em seus filmes “Kill Bill (2003/04)”, “À Prova de Morte (2007)”, “Bastardos Inglórios (2009)”, “Django Livre (2012)” e finalmente trabalharam juntos no faroeste “Os Oito Odiados (2015)”. Pelo qual ganhou a estatueta do Oscar como Melhor Trilha Musical daquele ano.
Para sanar um pouco a saudade, Tornatore nos brinda com o documentário “Ennio: O Maestro (Ennio, 2021)”. Exibido em sessões fechadas nos festivais de cinemas da Europa e agora chegou ao nosso país tupiniquim na oitava edição do Festival do Cinema Italiano Brasil 2022, promovida pelo Espaço Itaú de Cinema na cidade de São Paulo, na unidade da Rua Augusta. Ocorrida no último final de semana com a exibição de filmes da terra da bota dos mais variados gêneros. Voltando a “Ennio”, Giuseppe nos traz um retrato bem pessoal do “Maestro”, como era chamado pelos mais próximos. Com o próprio falando sobre seu método de composição e nos aproximando de sua persona.
Contando com depoimentos de pessoas com quem trabalhou como Quentin Tarantino, este fala sobre sua admiração por Morricone, o mito Clint Eastwood diz que seus filmes se engradeceram com sua música, Bruce “The Boss” Springsteen e outro grande maestro também deixou seu recado, John Williams da saga Star Wars. Ennio diz seu primeiro contato com a música foi o trompete. Por imposição do pai Marco, que exigiu que aprendesse a tocar o instrumento.
Quando na verdade, queria ser
médico. Pois com ele, garantiria o próprio sustento. Assim como ele,
trompetista de bandas que tocam nos bares e clubes de Roma. Com o que ganhava
mantinha a família. Até que começou a Segunda Guerra Mundial e seu pai adoeceu.
Já inscrito no Conservatório Musical local, Ennio já tocava com maestria o trompete. Assim pode sustentar seus
familiares. Porem com a rotina de apresentações, os estudos e ainda ajudar nos
afazeres domésticos, comenta que estava hem estressado.
Mesmo assim, se manteve firme e por indicação de um de seus professores, foi para as aulas sobre composição e regência. Lá conheceria seu mentor, o compositor de música clássica Goffredo Petrassi. Considerado um dos expoentes da nova geração, Petrassi marcou Ennio profundamente. Sendo citado constantemente pelo biografado quanto seus pares. Na época os compositores de música clássica consideravam as trilhas musicais para filmes como “subgênero”. Quem as compunha era chamado de “vendido”. Palavras de Petrassi. Mesmo assim, Ennio se aventurou em compor para comerciais, series de TV e rádio.
Foi convidado pela RCA (estatal de TV na Itália naqueles tempos), pois estava à beiro da falência. Com a contratação de Morricone, a situação mudou. Com seu ouvido apurado e musicalidade se responsabilizou pela parte musical da emissora. Novelas, series e programas de auditório deslancharam. Daí o convite para levar sua música para a sétima arte foi um pulo. “O Fascista” em 1961 foi a estreia de Ennio na sétima arte. Dirigido por Luciano Salce, esse foi o primeiro de mais dez trabalhos juntos. Salce comenta sobre a música, pura poesia
Assim somos introduzidos a um dos maiores parceiros no cinema, Sergio Leone. Responsável pela “Trilogia do Homem Sem Nome”, estrelada por Clint Eastwood. Ennio dá detalhes de como surgiu a inspiração para compor a música do primeiro filme “Por Um Punhado de Dólares (1964)” e que no fim, ao ver a edição final tanto ele quanto Leone não ficaram satisfeitos com o que ouviram. Morricone se mostra muito crítico sobre o próprio trabalho. Os outros comentam que sua música encanta a todos. Não entendendo isso, resolve tocar cada música composta para sua mulher Maria em primeira mão. Por não ter conhecimento prévio sobre música, sua opinião tinha uma grande influência sobre o marido.
Ennio é muito elogiado e daí sua jornada nos faroestes tem início. Antes do filme de Leone, seu primeiro western foi “Duelo no Texas” de Ricardo Blasco em 1963, sob o pseudônimo Dan Savio. Repetindo isso em “As Pistolas Não Discutem (1964)”. Se notabilizando na indústria, Ennio entusiasta da música experimental, formou um grupo com seus colegas de Conservatório, assim pode se aventurar pelo gênero. Enquanto sua carreira cinematográfica deslanchava. Alertado por amigos próximos por estar se repetindo musicalmente falando, ele viu a necessidade de se aventurar em outros gêneros no cinema. Como a aventura “Queimada (1969)” de Gillo Pontecorvo e o drama “Os Canibais (1970)” de Liliana Cavani. Aqui uma história engraçada, Ennio estava editando a trilha de “Os Canibais”, Gillo passou no estúdio e ouviu a música.
Disse que era o tema perfeito paras seu filme. Contrariado Ennio diz que este já estava comprometido com a película de Cavani. Insistente, Pontecorvo o convenceu e ele compôs um tema parecido. Nas palavras de Morricone, a “Guerra Começou”. Questionada a respeito, Cavani apenas diz que é a mesma música. Daí vemos como o “Maestro” é criativo. Sempre ativo, praticamente compondo sem parar. Isso é comprovado no decorrer do documentário. Sempre o vemos com um lápis e uma partitura a tiracolo. Ou simplesmente tendo uma ideia, tomando um café com amigos. Tornatore deixa isso bem claro. Em especial quando o convidou para compor a trilha de “Cinema Paradiso (1989)”.
No começo, recusou o convite. Mesmo
assim, mandou o roteiro para ele até que recebeu um telefonema do “Maestro”, para conversarem. Um novato
nas suas palavras, se sentiu intimado e se emociona ao dizer quando Morricone confirmou que faria a música
do seu filme. Sua memória é espantosa, ele lembra quando foi convidado para
fazer a trilha de “Laranja Mecânica
(1971)” pelo próprio Stanley Kubrick
e um dos seus maiores arrependimentos é não ter feito o trabalho. Culpa de Sergio Leone, que recebeu uma ligação
de Kubrick para saber mais sobre Ennio. Este lhe disse que ele está
fazendo a música de seu filme “Quando
Explode A Vingança (1971)”. Quando na verdade, o “Maestro” estava fazendo a mixagem final e estaria livre para
trabalhar com Stanley.
Foi dispensado sem maiores explicações. Com Leone, firmou uma grande parceria. Ennio lembra que compôs a tema romântico para “Amor Sem Fim (1981)” de Franco Zefirelli e foi descartado na época. Sendo reaproveitado em “Era Uma Vez na América (1983)” e se tornando a clássica “Deborah Theme (Once Upon Time in America)”. Relembrando também como surgiu a ideia para o tema de “Era Uma Vez no Oeste (1968)”. Depois de ir a um concerto de música minimalista, onde não temos os instrumentos de uma orquestra e sim objetos no nosso cotidiano. No caso um pedaço de madeira.
Aí temos a magia do cinema entrando em ação, com a música como aliada. A sequência na estação de trem que introduz o personagem de Charles Bronson. Ouvimos a madeira rangendo, as esporas das botas dos cowboys e o trem em movimento em perfeita sincronia. Para logo em seguida, a harmônica tocada por Bronson com o tema clássico do filme. Roland Joffé, diretor de “A Missão (19687)”, comenta que o “Maestro” não quis fazer a trilha do filme. Mais tarde, ele entra em contato com uma ideia após ver as primeiras cenas filmadas. Por telefone, canta a melodia para Joffé, surgindo a antológica “Gabriel’s Oboe”. Ennio impactado pela sua história, juntou três estilos musicais: a clássica, a étnica e a de cinema. Um bom conto é sobre o tema principal para “Os Intocavéis (1987)” de Brian De Palma, questionando o “Maestro” sobre isso.
Ennio mandou nove e pediu para não escolher
o número “seis”. Adivinha qual foi
escolhido? Mais tarde, em uma entrevista, De Palma se rendeu a sugestão de Morricone para a cena na estação de
trem. Até então, eles haviam discordado a respeito em seu corte final. Com Tarantino, é uma volta às origens do “Maestro” em “Oito Odiados (2015)”. Ele é conhecido por utilizar rock das antigas e temas musicais dos chamados “Filmes B”.
Já para “Os Oito Odiados” queria uma
trilha autoral. Não pensou duas vezes em chamar Morricone. O saldo final é a reverencia ao “Maestro” e que seu legado é eterno. Onde
ele quebrou barreiras, sua influência se faz presente até hoje, com uma nova
geração o descobrindo.
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